Tudo começou com a Revolução de Trinta. Que na realidade foi um golpe sobre as oligarquias rurais mineira e paulista. No
bolo, comendo pelas beiradas, estava a oligarquia rural goiana, representada
pela família Caiado. Este nome não é estranho até hoje, quando se fala em
oligarquia rural. Getúlio Vargas nomeou como interventor Pedro Ludovico. Com
dificuldades de entrar na capital do Estado, a cidade de Goiás, Pedro Ludovico
decidiu construir uma nova capital. Assim surgiu Goiânia.
Mas Goiás ficava muito longe dos grandes centros e suas
terras pouco valia. Nas décadas de 1950 e início de 1960 havia muita terra devoluta
ou abandonada pelos herdeiros (meus avós paternos possuíam uma fazenda na
cidade de Anápolis, que no início da década de 1960, foi grilada de forma muito
tosca. De forma que nem precisaria ir à justiça para reaver os bens, pois a
falsidade da documentação era bem evidente! Meus pais e tios não reclamaram a
fazenda. Mas isto já é outra história!). Com a construção de Brasília o valor
da terra cresceu estupidamente e passou a interessar a muita gente grande.
Começou uma grande movimentação de grilagem no Estado do Goiás. Porém já
moravam ao longo dos córregos e rios, que banham este Estado, uma grande
população do que chamamos hoje de produtores familiares. Eram os posseiros.
O interior do Estado de Goiás se tornou palco de uma guerra
civil não declarada. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) decidiu enviar um de
seus quadros para assessorar e dar apoio aos posseiros. (A mesma pessoa que me contou esta história.) Principalmente aos que
moravam às margens dos rios Trombas e Formoso. O líder dos posseiros, José Porfírio,
chegou a ser eleito deputado estadual pelo PTB. Terminamos a descrição do
quadro político na época citando a figura mais importante desta história: O Governador
Mauro Borges (PSD/GO). Leonel Brizola, já Governador do Rio de Janeiro, veio a
público para corrigir uma injustiça histórica. Em 1961, Brizola não foi o único
governador a garantir a posse de João Goulart. Mauro Borges, não me pergunte por
que, tinha alguma influência sobre os militares em sua terra natal: O então
governador de Goiás, a exemplo de Brizola, conclamou os quartéis para garantir
a posse de Jango (Campanha da Legalidade). Mauro Borges lutava pela reforma agrária
e seu sonho era organizar fazendas coletivas, semelhante ao sistema de Kibutz israelense.
O Governador tinha profunda simpatia pelas causas dos posseiros dos Rios Trombas
e Formoso. José Porfírio, segundo quem me contou a história, tinha trânsito
livre no gabinete do Governador.
Agora eu vou contar minha história, narrada por um exilado
comunista, durante minha estadia de quase seis anos em Moscou. Esta camarada,
que prefiro não citar o nome (porém é fácil obtê-lo), era primeiro secretário
do PCB no Estado de Goiás. O que equivale hoje a ser presidente estadual de um
partido político. Contou-me ele (Ufa! Finalmente!) que na noite de 31 de março
de 1964 e 1° de abriu, Mauro Borges, organizou a defesa do Governo João Goulart
no estado de Goiás. Entrou em contato com todos os quartéis localizado no
Estado sob sua jurisdição e lançaram um plano estratégico de defesa: Literalmente
cercar o Distrito Federal por terra. Todas as estradas que ligavam Goiás à
Brasília, mesmo as de terra, seriam fechadas pelo exército leal ao presidente.
Parece uma medida emergencial bastante lógica, visando impedir que forças
golpistas chegassem ao Planalto até que as coisas se normalizassem. Mas a
segunda medida me pareceu bombástica: cadastrar voluntários, em particular os
posseiros dos Rios Trombas e Formoso, fornecer-lhes armas, destacar oficiais
para treiná-los em guerra de guerrilha e outros procedimentos de guerra. Foram
cadastrados mais de três mil voluntários!
Apesar de Brasília não ter importância econômica na época
era interessante tê-la sob controle, por ser a capital política do país. O
Governo e o Congresso poderia comandar a resistência aos golpistas até que os
principais centros do país fossem dominados pelos insurgentes ou quando o quadro
se revertesse a favor de Goulart. Na época a FAB estava mais bem estruturada ao
longo do litoral. Pequenas aeronaves, com pouca autonomia, não poderiam pousar
em solo goiano, defendida por tropas leais. As estradas estavam bem defendidas
pelo exercito de Borges. Então para que guerrilheiros? Porque esta temeridade
de colocar armas nas mãos do povo? Agora estamos entrando no terreno das
especulações. Mauro Borges estaria organizando uma defesa de longo prazo,
contra inimigos poderosíssimos? Então faz sentido as notícias recentes de que os
Estados Unidos pensava em invadir o Brasil, o que poderia transformar nossa
pátria em um imenso Vietnam.
O prestígio de Mauro Borges junto aos militares era tão grande que ele só renunciou ao cargo de Governador do Estado de Goiás apenas em 26 de novembro de
1964. Ele pode até ter sido forçado à renúncia, mas ele não foi destituído do cargo!
Isto aconteceu depois de sete meses e meio após o golpe de estado. A despeito
da Campanha pela Legalidade e a resistência ao golpe de 64, o ex-governador de
Goiás foi cassado apenas em 1966. Dois anos depois da “Redentora”!
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