quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Histórias que me contaram: RESISTÊNCIA GOIANA AO GOLPE DE 1964.

Tudo começou com a Revolução de Trinta. Que na realidade foi um golpe sobre as oligarquias rurais mineira e paulista. No bolo, comendo pelas beiradas, estava a oligarquia rural goiana, representada pela família Caiado. Este nome não é estranho até hoje, quando se fala em oligarquia rural. Getúlio Vargas nomeou como interventor Pedro Ludovico. Com dificuldades de entrar na capital do Estado, a cidade de Goiás, Pedro Ludovico decidiu construir uma nova capital. Assim surgiu Goiânia.
Mas Goiás ficava muito longe dos grandes centros e suas terras pouco valia. Nas décadas de 1950 e início de 1960 havia muita terra devoluta ou abandonada pelos herdeiros (meus avós paternos possuíam uma fazenda na cidade de Anápolis, que no início da década de 1960, foi grilada de forma muito tosca. De forma que nem precisaria ir à justiça para reaver os bens, pois a falsidade da documentação era bem evidente! Meus pais e tios não reclamaram a fazenda. Mas isto já é outra história!). Com a construção de Brasília o valor da terra cresceu estupidamente e passou a interessar a muita gente grande. Começou uma grande movimentação de grilagem no Estado do Goiás. Porém já moravam ao longo dos córregos e rios, que banham este Estado, uma grande população do que chamamos hoje de produtores familiares. Eram os posseiros.
O interior do Estado de Goiás se tornou palco de uma guerra civil não declarada. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) decidiu enviar um de seus quadros para assessorar e dar apoio aos posseiros. (A mesma pessoa que me contou esta história.) Principalmente aos que moravam às margens dos rios Trombas e Formoso. O líder dos posseiros, José Porfírio, chegou a ser eleito deputado estadual pelo PTB. Terminamos a descrição do quadro político na época citando a figura mais importante desta história: O Governador Mauro Borges (PSD/GO). Leonel Brizola, já Governador do Rio de Janeiro, veio a público para corrigir uma injustiça histórica. Em 1961, Brizola não foi o único governador a garantir a posse de João Goulart. Mauro Borges, não me pergunte por que, tinha alguma influência sobre os militares em sua terra natal: O então governador de Goiás, a exemplo de Brizola, conclamou os quartéis para garantir a posse de Jango (Campanha da Legalidade). Mauro Borges lutava pela reforma agrária e seu sonho era organizar fazendas coletivas, semelhante ao sistema de Kibutz israelense. O Governador tinha profunda simpatia pelas causas dos posseiros dos Rios Trombas e Formoso. José Porfírio, segundo quem me contou a história, tinha trânsito livre no gabinete do Governador.
Agora eu vou contar minha história, narrada por um exilado comunista, durante minha estadia de quase seis anos em Moscou. Esta camarada, que prefiro não citar o nome (porém é fácil obtê-lo), era primeiro secretário do PCB no Estado de Goiás. O que equivale hoje a ser presidente estadual de um partido político. Contou-me ele (Ufa! Finalmente!) que na noite de 31 de março de 1964 e 1° de abriu, Mauro Borges, organizou a defesa do Governo João Goulart no estado de Goiás. Entrou em contato com todos os quartéis localizado no Estado sob sua jurisdição e lançaram um plano estratégico de defesa: Literalmente cercar o Distrito Federal por terra. Todas as estradas que ligavam Goiás à Brasília, mesmo as de terra, seriam fechadas pelo exército leal ao presidente. Parece uma medida emergencial bastante lógica, visando impedir que forças golpistas chegassem ao Planalto até que as coisas se normalizassem. Mas a segunda medida me pareceu bombástica: cadastrar voluntários, em particular os posseiros dos Rios Trombas e Formoso, fornecer-lhes armas, destacar oficiais para treiná-los em guerra de guerrilha e outros procedimentos de guerra. Foram cadastrados mais de três mil voluntários!
Apesar de Brasília não ter importância econômica na época era interessante tê-la sob controle, por ser a capital política do país. O Governo e o Congresso poderia comandar a resistência aos golpistas até que os principais centros do país fossem dominados pelos insurgentes ou quando o quadro se revertesse a favor de Goulart. Na época a FAB estava mais bem estruturada ao longo do litoral. Pequenas aeronaves, com pouca autonomia, não poderiam pousar em solo goiano, defendida por tropas leais. As estradas estavam bem defendidas pelo exercito de Borges. Então para que guerrilheiros? Porque esta temeridade de colocar armas nas mãos do povo? Agora estamos entrando no terreno das especulações. Mauro Borges estaria organizando uma defesa de longo prazo, contra inimigos poderosíssimos? Então faz sentido as notícias recentes de que os Estados Unidos pensava em invadir o Brasil, o que poderia transformar nossa pátria em um imenso Vietnam.

O prestígio de Mauro Borges junto aos militares era tão grande que ele só renunciou ao cargo de Governador do Estado de Goiás apenas em 26 de novembro de 1964. Ele pode até ter sido forçado à renúncia, mas ele não foi destituído do cargo! Isto aconteceu depois de sete meses e meio após o golpe de estado. A despeito da Campanha pela Legalidade e a resistência ao golpe de 64, o ex-governador de Goiás foi cassado apenas em 1966. Dois anos depois da “Redentora”!

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